domingo, 27 de junho de 2010

#14 - DE COMO AS MULHERES ESCREVEM POEMAS ERÓTICOS

Se escrevesse um poema sobre nós,
seria censurada.

Deixa-me então contar-te
como o junco se faz cana
e espalha lá dentro o seu mel oculto.

Ou falar-te daquela orquídea violeta
de pétalas e pétalas que navegam em seiva,
ou de como ela se abre
e entram estrelas
que iluminam o sangue, esse que estava adormecido.

E de como os olhos bebem
o dicionário todo.

Mas façamos um contrato:
a ninguém o contemos
para que este poema não morra censurado.

A viagem da minha vida:
suficientemente fechada
para me proteger,
suficientemente porosa
para que tu penetres...


II

A minha roupa virada do avesso,
com as costuras à mostra:
pequenas cicatrizes do meu corpo.

Procurar equilibrar um anjo
nas tuas longas pernas,
é assim que me tens...
e manténs.


III

A lua foi um presente poeirento
- perfeito e único –
que tinha que devolver no dia seguinte:
dependurei-a, pontual,
polida, clara,
dançando na ponta dum fio transparente.

Restaurar o meu corpo,
dar-lhe
luz, cor, movimento
ou talvez um coração espremido
em frases de poemas como fugas.

Um gesto, uma sombra, uma silhueta,
construir com círculos de ritmo
um rosto, uma luz, um carrocel,
ou melhor, uma perfeita analogia.

Restaurar o meu corpo:
Uma abstracção tão luminosa em seu desejo.



LOURDES ESPÍNOLA

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